Dienstag, 29. Januar 2008

Impossível de aturar

Esmifro-me. Para chegar ao final do dia e saber que nao cumpri nem metade daquilo a que me tinha proposto:
- Abrir o olho ao som do despertador;
- No mesmo segundo levantar-me, ignorando completamente o quentinho aconchegante e o calor irradiado do teu corpo e o som do edredao nas nossas peles;
- Tomar pequeno-almoco com pepitas da N24 (canal de notícias);
- Descer as escadas sem contra-relógio;
- Nao proferir uma única palavra contigo sobre trabalho no trajecto de 20 minutos até chegarmos;
- Ligar o computador e dedicar 30 minutos às notícias diárias sobre o mundo da logística;
- Mandar dar uma volta a todos os que me chateiem ou interrompam ou me queiram dizer algo que nao me interessa minimamente;
- Ocupar-me de coisas verdadeiramente importantes;
- Fazer a pausa do almoco;
- Distrair o estomago com algo comestível;
- Ceder a um imperceptivel time management e cumprir as tarefas destinadas ao dia;
- Ser capaz de desligar o PC a horas decentes sem que alguém me tenha de convencer que já é mais que tempo de disconnect o cérebro da ficha;
- Ir directa para o carro sem me deixar envolver em assuntos temáticos sobre este ou aquele num percurso de 100 metros;
- Ter ideias sobre o que cozinhar para o jantar sem percorrer as prateleiras do supermercado vezes sem conta, para depois acabar por comprar exactamente o mesmo que no dia anterior;
- Frequentar o tal ginásio, em prol do qual pago uma mensalidade sem lá por os pés;
- Passar mais tempo contigo (tipo mais de cinco minutos só para ti, sem tv, telefone, telemóvel, net ou livros);
- Continuar a ler um dos cinco livros e uma das tres revistas que ocupam o espaco reduzido da mesa de cabeceira (que entretanto, nao sendo suficiente, invadiu o espaco no chao, acumulando território à medida que as semanas vao passando e os livros nao vao sendo lidos - sim, porque as revistas, se nao sao semanais, serao mensais, e o tempo corre, nao, voa, e elas vao formando um elemento decorativo constante, quase um segundo móvel alternativo, de madeira na forma de papel...);
- Ir para a cama cedo, de forma a eliminar estas olheiras que me acompanham há anos, sem me deixar envolver pelo programa televisivo X até às duas da manha;
- E por aí...

Nao há paciencia para isto. Como é que me aguentas?

Montag, 28. Januar 2008

A era do turbo-capitalismo: O que é certo versus o que acontece

"Wie schon in den Neunzigern lebt Deutschland nach dem wenig bewährten Grundsatz, dass nicht sein kann, was nicht sein darf. "

Muito comum aos anos 90, a Alemanha ainda vive baseada num dos poucos bem conservados axiomas: Aquilo que nao pode ser nao deve ser. Com isto repele-se a ideia da globalizacao, que nos induz a uma (sobre)vivencia sem garantias e certezas de médio ou longo prazo. Veja-se o caso da Nokia em Bochum, que decidiu fechar as portas e mudar as instalacoes da producao para a Roménia, após ter assimilado cerca de 90 milhoes em subsídios, acarretados pelo Estado e, assim, pelos contribuintes, sendo eu um deles. A ironia reside no facto de ser o próprio Estado, através dos Bundesländer (os estados federais), a criar incentivos para que esses global players escolham a regiao onde contribuirao para a criacao de novos postos de emprego. A unidade de producao da Nokia em Bochum já é residente há cerca de 20 anos, todos eles alimentados pelo estado Renania do Norte / Vestefália. Para reduzir os custos e aumentar competitividade, a empresa decidiu rumar a Leste (será ilusao minha ou as empresas alemas optaram pelo mesmo destino?) e transferir a producao para um país onde o salário médio roda os 300 euros, sem obrigatoriamente significar que a mao-de-obra nao será especializada. Ao contrário da opiniao de muitos, os países do Leste europeu oferecem um sistema de ensino mais orientado pelos resultados e caracterizado por disciplina e respeito para com as instituicoes (veja-se o caso dos nossos concidadaos ucranianos, um caso de exportacao bem-sucedida nas nossas escolas portuguesas).

Os cidadaos alemaes tentam negar evidencias e recusam aceitar o próprio destino, trespassando responsabilidades próprias para o lado estatal. As expectativas encontram apoio na classe política, a qual nao lida com temas tao sensíveis de forma razoável, muito menos economicamente racional. Estratégias impensáveis de se realizar, como o aumento dos salários reais (provavelmente possível pela conjuntura positiva), o estabelecimento de salários mínimos ou a definicao de um limite para os salários e bonus dos grandes managers (uma medida que em nada iria contribuir para a reparticao igualitária de rendimentos e sim para uma fuga de grandes cérebros empresariais para o estrangeiro) tornam-se cabecas de cartaz, com fins obvios de campanha para eleicoes regionais. Provavelmente só iremos presenciar algumas modificacoes de fundo daqui a umas décadas.

O povo indigna-se, a política debate-se, a economia regozija-se. E as Nokias continuam o seu percurso de optimizacao de receitas e maximizacao de lucros. Até um dia darem a volta ao mundo, essa mais longa do que 80 dias.

Sonntag, 27. Januar 2008

Instalacoes em estágio vegetativo

O sistema nervoso vegetativo, para ser vislumbrado, deslumbrando, no Museum Kunst Palast em Düsseldorf.

Os autores Steiner e Lenzlinger referem:

"Unimpressed by will or order, the vegetative nervous system (the autonomic nervous system) works autonomously in the body and takes decisions independently. Luckily - if human beings had to initiate the control of all the organs intellectually they would never have had the time to invent the refrigerator."
Cada vez que estou de regresso a casa tento absorver o máximo daquilo que normalmente só trago comigo em forma de memórias e lembrancas, muitas vezes desvanecidas ou alteradas por aquilo que julgo ser real, substituidas pelo algo que desejo ter acontecido, e nao o que sucedeu na realidade. Tento sorver o que me faz falta, os odores, os sabores, a luz, as faces, os sorrisos, os cumprimentos de quem já nao se ve há tanto tempo. Há objectos, situacoes, hábitos que apenas conhecemos lá, na origem, onde tudo comecou.

A caixa dos botoes, em anteriores existencias uma mera casa de sapatos. A sua disposicao nas prateleiras é conduzida com uma explicacao muito pessoal, que de tanta rotina permite a descoberta quase imediata do que se busca. Há uma cliente à espera.
As caixas, meticulosamente ordenadas, os botoes, colados na frente para permitir uma rápida pesquisa, qual inventário de biblioteca, antes em papel, hoje digital, e ainda assim eficaz. O antes nao será incapaz, apenas diferente e lento.
A senhora. Mais pequena e mais grisalha, mas com aquele sorriso acolhedor de quem nos viu crescer.

Samstag, 26. Januar 2008

125 azul

Na cidade respira-se um ar industrial, por vezes pouco acolhedor, gélido como tijolos de uma fábrica de carvao. Associo tudo isso à cor azul. Feng Shui defenderia que azul será a cor da calma e da estabilidade. Porém, aqui sinto-me envolvida por uma sensacao quase asséptica e de ausencia de calor.

Eu sei, eu sei, isto nao é o Brasil...

Sonntag, 20. Januar 2008

A Médici

Decidimos experimentar um dos 22 restaurantes italianos aos quais me referi aqui. A escolha recaiu numa febra panada que supostamente constitui um prato muito típico a encontrar em Milano. Fomos confrontados com um panado que, pela sua dimensao gigantesca, saía do diametro do prato e sujava a mesa com as suas pontas em dois lados. De milanese nao tinha nada, afinal era proveniente de Viena. Ah, Wiener Schnitzel num restaurante de seu nome Leonardo. Pergunto-me se o da Vinci nao se irritaria com tais barbaridades e inexactidoes culturais. A nossa atencao foi deliberadamente (?) distraida pela graciosidade dos empregados e pelo macio Cabernet servido, a ponto de já nao nos deixarmos tirar do sério pelas nódoas dos panados espalhadas pela mesa, apenas a disfarcar pelos guardanapos que tao religiosamente tinhamos mantido bem ao pé. O que parece ser um dado adquirido no jardim do Atlantico é aqui diverso; espera-se que o guest mantenha uma certa conduta e coloque por si o seu guardanapo no prato, após ter terminado a refeicao, e nao aguarde que o faca o empregado. Tudo questoes higiénicas. Refastelados, pagámos e prolongámos o nosso percurso gastronómico. Após uma tentativa frustrada de experimentar um bar supostamente alternativo que, afinal, tinha interpretado o termo de uma forma inesperada (e música rap nunca foi mesmo o meu género), optámos por um outro restaurante italiano. A escolha é, de facto, limitada. Nao desejávamos mangiare, solo bere. A noite decorreu pacificamente, durante a qual se percebeu que afinal o continente asiático está sobrepopulado de turistas que buscam o seu lar nesse canto do planeta e que o mais promissor será mesmo a América do Sul (qual raptos qual que?), até ao momento no qual se teve de discutir pagamentos e trocos. A coisa estava já a correr mal e o vinho, de si azedo tipo vinagre, já estava a balancar no estomago, até se deixar vislumbar o auto-intitulado Don Camillo, dono do estabelecimento, que, para apaziguar os animos, ofereceu uma Grappa à malta por conta da casa. Eu pensei que pior do que o Chianti que eu tinha sorvido nas horas anteriores nao podia ser. Don Camillo apercebeu-se dos meus conhecimentos (de si ainda muito imberbes) da língua italiana e indagou a minha origem. "Ah, Portogallo, che bello!" Os amigos tinham lá estado e recomendado vivamente. Bela gente, sim senhor. "Ma niente come la mia bella Italia!!" Sim, a sua Itália, deixada há 30 anos e trocada por uma cidade da regiao do Ruhr, sem mar ou producao vinícola. "O país que detem cerca de 70% do património cultural mundial". Alto lá, essa é difícil de engolir, principalmente por parte de um frances, que se encontrava a observar a conversa. Um tal menosprezo de Monet ou Molière nao pode ser tolerado! Gerou-se uma discussao vívida sobre quem se apoderou de que e como. "Cuisine francaise? Qual que, um roubo aceite da cucina italiana!". Inadmissível, vociferava o frances. Entao e os escargots, a baguette, o canard? "Tudo fruto de uma exportacao florentina importantíssima do século XVI, a grande Catarina de Medici, que levou consigo a cozinha italiana quando foi viver para Franca com Henri II." Esta conversa surreal entre Don Camillo e o frances decorreu uma bela hora, até ao ponto de se discutir a posse da ilha de Corsica e da nacionalidade de Napoleao Bonaparte. A conclusao ficou em aberto. Eu ainda nao tinha percebido o que é que esparguete tinha a ver com a massa folhada ou mascarpone com o éclair de chocolate, mas fiquei intrigada. Quis saber mais. E assim parece haver diversas teorias que realmente reclamam um papel protagonista a conceder a Catarina que, na tenra idade de 14 anos, se desenvolvera como amante de artes e importante veículo de introducao das tecnicas culinarias italianas, ou melhor, florentinas, como por exemplo a sopa de cebola ou o canard a l'orange, o uso de ervilhas ou artichaux. Importantíssima terá sido a separacao do doce e do salgado, ainda hoje fruto de reaccoes perturbadas de franceses quando nos veem a deliciar-nos com uma bolacha de água e sal, queijo e marmelada.
Don Camillo teria razao?

Sinais da Era do Carvao

Por toda a regiao do Ruhr encontram-se a cada esquina resquícios da industrializacao frenética dos séculos XVIII e XIX, altura em que a exploracao do carvao constituía a maior fonte de rendimento da zona. Até ao ano de 1850 contavam-se com cerca de 300 minas de carvao espalhadas ao longo da que entretanto se tornou a maior aglomeracao populacional da Alemanha, acompanhando a producao de aco e ferro que desempenhou um papel fundamental no período antecedente - e igualmente durante - à Segunda Guerra Mundial, durante o qual empresas como Krupp (hoje ThyssenKrupp) ganharam um grande prestígio, actualmente condenado pelo seu apoio oportunista à estratégia nacional-socialista. A expansao da integracao desta matéria-prima no processo de industrializacao culminou com um total de mais de 3.000 locais de exploracao. Desde a Crise do Carvao de 1958 tem-se assistido a um declínio dessas áreas hoje em muitos casos decrépitas, conduzindo à eliminacao de mais de um milhao de postos de trabalho. Daí a Regiao do Ruhr gozar de uma fama associada à sujidade do carvao e ao desemprego da era pós-crise. Desenganem-se os que julgam nao encontrar verde nestas paragens. Fui levantar o véu destes mitos e encontrei uma velha mina, abandonada numa floresta que requer o poder de marchar sobre pedras e muros, acentuando os sinais do tempo e da hegemonia da natureza sobre o que aparentemente já nao interessa à humanidade.

Donnerstag, 10. Januar 2008

O século XXI*

Quando abres a tua porta de casa e ves um envelope branco, cuidadosamente depositado no chao junto do teu tapete de limpar os pés antes de entrares em casa, com os teus nome e morada escritos à mao com uma caligrafia que nao identificas, sem remetente, serás conduzido automaticamente a deduzir que alguém te quer mandar pelos ares. Analisas o envelope de cima a baixo, de uma ponta a outra. Verificas o peso do conteúdo. Decides abri-lo cautelosamente com luvas. Viras a cara quando levas a cabo a operacao delicada. Aguardas. Nada. Retiras, com algum embaraco, uma caneta gravada e um postal de Natal. E sabes aí que estamos em 2008.

* história verídica

Pasta e tapas

Há uma rua onde existe e subsiste a maior concentracao de restaurantes e bares da cidade. No guia oficial contei exactamente 42. Mas tinham 22 deles, o que representa mais de 50%, de ser mesmo restaurantes de comida italiana? Os alemaes sao conhecidos pela sua paixao em relacao a Itália, principalmente os roteiros infindáveis pela regiao toscana, que constituem o sonho do cidadao alemao comum para umas férias pois reunem todas as características: sol, calor, vinho, comida, cores e a língua em si. O facto de existirem tantos sinais da cultura gastronómica italiana numa só rua (isto ignorando o resto da cidade) parece-me uma tentativa desesperante de manter perto o sentimento de férias por tempo indeterminado. O mediterranico assume um papel messianico. Principalmente aos fins-de-semana esses locais estao invariavelmente repletos. O resto dos 20 restaurantes, salvo algumas excepcoes, luta pela própria sobrevivencia. Pois, o espanhol salienta-se. "Sim, a nossa viagem a Maiorca..."
Havia um local que servia comida nepalesa que julgo muito próxima da original (o que significa aqui na Alemanha que os pratos sao temperados). Vazio sempre que lá estive... O dono nepales decidiu renovar o espaco, transformando-o num restaurante de tapas. Se nao os vences, junta-te a eles.

Acabei de reparar que pasta e tapas sao compostas precisamente pelas mesmas sílabas. Será esta a receita do sucesso?

Montag, 7. Januar 2008

O saudosismo da RDA

Desde há pouco existe em Berlim uma pousada de reminiscencias, propícia aos saudosistas do regime da RDA. Para os que nao se sintam plenos com o Check Point Charlie ou os tracos do antigo muro de Berlim, que podem ser calcorreados pela cidade inteira, haverá sempre a possibilidade de experimentar, ao vivo e na pele (ou nos ossos) como o alemao de Leste vivia na altura até 1989, qual Good Bye Lenin. A pousada intitula-se Das DDR Hostel e situa-se na parte leste da capital germanica.
Há hóspedes que, nao contentes com a experiencia in loco, sempre desejam levar um pouco da memória consigo. Assim, tem sido às centenas os quadros de Honecker (na foto) que, por motivos de desaparecimento súbito, se viram sujeitos a uma substituicao forcada.

Diga-se, porém, que a gerencia também teve de adaptar-se às exigencias do turista contemporaneo e criou, em alturas veraneantes, um páteo recheado de areia, onde se pode laurear a pevide aos sons de ska e reggae, eles regados de uma caipirinha à la Deutsch, com muito acucar para esconder a exagerada porcao de cachaca, que se pensa tipicamente brasileira...


Figura: booking.com

Sonntag, 6. Januar 2008

Viagem no tempo

Nao sou uma fa incondicional do movimento impressionista, o purismo e candura nao me atingem, mas ontem deixei-me conduzir numa viagem pelo tempo por uma obra de Camille Pissarro, a "Avenue de l'Opéra. Paris. Effet de neige", em exibicao até hoje na exposicao "Bonjour Russland" em Düsseldorf, e brevemente em Londres.
A iluminacao, as pinceladas molhadas, o retrato de uma avenida plena de vida. Senti-me envolvida pela chuva retratada, o trotear dos cavalos no piso húmido, as conversas burguesas, os passos apressados na calcada escorregadia, os risos. O retrato concedeu-me uma sensacao de muita água. O tom ameno das pinceladas contrastam com o frio que a obra nos parece querer passar.
Quedei-me em frente a esta pintura longamente e senti-me a viajar no tempo e no espaco, a relembrar as descricoes vívidas de Eca de Queiroz que eu sorvi quando adolescente.
Perguntei-me qual teria sido a última pincelada do quadro. Jamais irei saber.

O ano de 2008 ou a escassez de táxis

Esta passagem de ano foi um pouco tumultuosa. Com alguns convites distintos, a decisao foi de aceitar ir a uma festa privada num bar de pessoas conhecidas, mas nao amigas. O bar é normalmente bem frequentado, por isso a pergunta antecendente à decisao foi "Quem foi convidado?", à qual se seguiu uma resposta "Só mesmo os amigos da dona do bar." Uma festa restrita e, portanto, acolhedora. Pareceu-nos razoável, pelo que decidimos ir, eu com uma vontade louca de dancar e exagerar um pouco no álcool. Atrasámo-nos nos preparativos e só conseguimos sair de casa lá para as dez da noite (momento de realizacao da hora foi seguido por segundos de incredulidade, como era possível restarem apenas duas horas do ano de 2007? Pensando bem, como nao aprecio a "terra de ninguém", despedidas e afins, pensei "Um novo ano representa sempre uma renovacao, como tal cabeca erguida e vamos em frente!"). A essa hora nao se via ninguém na rua, nenhum sinal de metro ou outros veículos a circular. Pensámos que seria melhor entao apanhar um táxi até ao bar. E encontrámos de facto um. Perguntámos a caminho do destino ao taxista, como para quebrar o gelo e gerar um elo de ligacao nos vinte minutos da vida que passámos juntos, como estava a correr o negócio. "Muito parado. Estava já há mais de uma hora à espera de clientes até os senhores chegarem. Hoje ainda nao consegui fazer mais de 50 euros. O pessoal nao tem dinheiro e decide fazer os percursos a pé". Sim, sempre é mais ecológico, comentário que ele nao pareceu ter entendido. Chegados à praca do bar, pagámos, saímos e deixamos o taxista ao seu destino. A praca parecia vazia, desprovida de qualquer sinal de animacao. Ao aproximar-nos do bar, percebemos de imediato quao diferente o conceito de amizade pode ser. O bar, já de si relativamente pequeno com capacidade para talvez 100 pessoas já com boa vontade e ultrapassando o limite do aceitável, estava completamente repleto. Ao encontrarmos o nosso pessoal, foi-nos dito que cerca de 500 amigos tinham sido convidados para a festa de fim-de-ano. AMIGOS? E, aparentemente, uma grande parte tinha aceite o convite. As pessoas nao se podiam mexer dentro do cubículo das quatro paredes. Conversar? Tarefa quase impossível. Ao observar a multidao, apercebi-me que eram precisamente as mesmas pessoas que costumam dedicar os seus sábados à noite ao mesmo espaco. Parecia quase uma noite perfeitamente normal. Os grupos formam-se, as pessoas cumprimentam-se, mas nao se misturam. Como uma grande cidade, vista como um todo, mas com os seus bairros diversos e próprios, cada um com o seu supermercado. Nos éramos um pouco estranhos a tudo, só conhecíamos bem o grupo com quem estávamos, tres australianos e dois franco-alemaes, eu a portuguesa. Com conversas em tons altos, quase barítonos, as horas foram-se aproximando da meia-noite. Nós queríamos ver o fogo-de-artifício nas ruas e deixámos o bar exactamente como quando tínhamos chegado, talvez o buffet estivesse menos preenchido. Passámos o ano na rua, de cabeca erguida, a olhar o espectáculo privado de cada um ,a beber champagne e a comer passas. Na Alemanha é típico comprar-se quilos de foguetes e produtos afins e pura e simplesmente celebrar assim, nas ruas, acendendo cada foguete com a pirisca do seu cigarro. Eu permaneco sempre em baixo de telheiros, sou como o Abraracourcix, com receio de que o céu me caia em cima do toutico. A praca ficou em minutos coberta por um nevoeiro originado na elevada quantidade de pequenos e grandes fogos-de-artifício, nao se podia ver um palmo à frente do nariz. Porém, as cores primárias deixavam vislumbrar uma felicidade quase infantil de novo ano e boas intencoes. Uma hora volvida regressámos ao bar, os australianos, os franco-alemaes e eu. Parecia que nada se tinha passado. As pessoas estavam exactamente na mesma. Nenhum sinal de fitas de carnaval, copos de champagne, gritos, urros, alegria, nada. Uns conversavam, outros observavam, uns poucos jogavam matrecos. Como numa noite perfeitamente normal. E se, de facto, o fosse?
Deambulei um pouco pelo local, ainda dancei nostalgicamente aos sons de Rage Against the Machine, White Stripes, Smashing Pumpkins, ... Às quatro da manha estávamos todos fartos. Seria a idade ou o ambiente? Ou a falta de comida? Ou a ausencia de café? Ou a constipacao que me tinha atacado dois dias antes? Decidimos regressar e saudar o recém-nascido no vale dos lencois. Um frio de rachar, um nevoeiro sem sinais de fogo-de-artifício, purinho mesmo. Queriámos dois táxis. Encontrá-los revelou-se uma tarefa impossível. Nada, absolutamente nada. Nao eramos os únicos na mesma busca. Decidimos tentar o metro. Ah, é verdade, hoje é feriado. O metro só iniciaria as actividades a partir das 8 da matina. Numa cidade de meio milhao de habitantes, sem táxi, sem metro, com grau no sangue e, portanto, sem meios próprios de locomocao, o que fazer? Estávamos bloqueados no enclave do feriado. Impensável! Prosseguimos as buscas e encontrámos pura e simplesmente cada vez mais pessoas a tentarem o mesmo. A fila normal para os táxis nao existia. Um dos australianos perguntou, admirado, se nao era normal haver filas como na Austrália. Aí reparei que, apesar de a Alemanha ser um país supostamente civilizado e haver ordem e regras para todo o tipo de situacoes, a lei da sobrevivencia individual supera todo o grau de civismo. Só faltou haver pancadaria para conseguir abrir a porta de um maldito táxi primeiro que outros. Gritos, correrias, histerias, ofertas de outros pagamentos que nao em dinheiro, ouvi e vi de tudo. Pensei no Ensaio sobre a Cegueira e na sensacao ultimativa de escassez. Até onde estamos dispostos a ir em prol do nosso sucesso como indivíduos? E pensei no taxista das dez da noite. Onde estaria? Ainda pensaria que o seu quadragésimo ano como taxista na noite de Ano Novo seria tao miserável?
Quanto a nós, decidimo-nos pelo único meio que ainda nos restava, apesar do frio, do nevoeiro e dos cinco quilómetros que nos separavam de casa. Regressámos a pé.

Mittwoch, 2. Januar 2008

Tesouros de rua

Encontrei-te hoje...


Inverno

O frio faz-me bem, arrefece-me as ideias, purifica. O calor, pelo contrário, abafa, sufoca. Hoje esteve um dia lindo, daqueles que adoro. O sol, enfraquecido, batalhava com as hastes nuas das árvores na pequena floresta aqui ao redor de casa. O vento corria frio a acariciar-me a pele seca, os lábios latejantes e esquartejados sabem a inverno quando passo a língua, sinto um choque térmico nas minhas papilas gustativas. Aconchego-me no quentinho do casacao que tenho vestido, no cachecol que me ampara o pescoco. Respiro fundo, o ar frio renova-me. Por dias assim prescindiria de umas horas de praia sem olhar para trás...

Dienstag, 1. Januar 2008

Um olhar em frente


Cá está, o do horizonte!

Doze desejos, sem grau de maior ou menor importancia atribuída:

- Nao esperarmos até 2012, como proferiram os Maias, para alcancar maiores consciencia e estabilidades comuns, e estarmos numa posicao de nos renovarmos com outros princípios;
- Capacidade de reconhecer prioridade nas verdadeiras coisas;
- Creatividade (ando num deserto mental...);
- Saudinha e boa disposicao (para todos! Como mostrava o prato na cozinha da minha avó, "desejo-te o dobro daquilo que me desejas". Coisas boas, claro!);
- Sanidade mental, temperada com um pouquinho de loucura saudável (é como a dose diária de vinho tinto, se for comedida até faz bem...);
- O ansiado emprego na empresa de tres iniciais;
- Viagens, viagens, com regresso seguro;
- Mais tempo para a família e os amigos;
- A invencao do substituto ecológico para o automóvel;
- A criacao de uma associacao limpa de fins nao lucrativos, para me tornar sócia;
- Alguns euros ao final do mes, as contas tem que ser pagas de alguma forma;
- A maturidade para saber por onde devo ir nos próximos anos.

BOM ANO DE 2008!!

O que fazer com 2007?

O ano solar de 2007 terminou. Mais do que simplesmente guardá-lo na gaveta das memórias, sem retrospeccao, desejo dissecá-lo. Estes 365 dias foram plenos de emocoes, regularmente irracionais, aliadas a pensamentos negativos de corpo e alma. Desenvolvi sensacoes muito intensas em relacao a pessoas que ocupam demasiado tempo no meu dia-a-dia, a quem presenteio mais atencao do que aquela devida. Descobri que, ao contrário daquilo que pensava, sou uma pessoa que por vezes se entrega deliberadamente a conflitos, principalmente se estes servem o propósito de me conceder uma superioridade auto-identificada, mas nem por isso consensual. Mas paralelamente aprendi a nao calar a voz do descontentamento, a insurgir-me contra injusticas, a desenvolver um papel menos passivo em relacao a tudo o que me rodeia, principalmente num mundo laboral egocentrico e populado por accoes individuais que em nada contribuem para um bem colectivo, e sim para alimentar contas e desejos pessoais. Fui entao mentalmente esbofeteada, por me ter tornado tao inconveniente, tendo perdido uma predominancia até aí conquistada por dedicacao e labuta árduas. Nao serviu de nada, tornou-se uma tarefa de Sísifo, agora pertenco à fraccao anárquica, por nao pactuar com o sistema. Regozijo-me. Tento aprofundar este descontentamento de forma a intensificar o interesse por causas comuns, mudar o estado das coisas, empurrar a pedra até ao cimo e ser forte o suficiente para a manter e desafiar as leis poderosas da gravidade deste conformismo inevitável que me tem caracterizado.

Este ano trouxe-me uma nova paixao, a cidade de Nova Iorque. Um sonho de há muito concretizou-se, a sensacao de incredulidade foi de tal forma intensa que nao me permitiu aceitar onde estive, como se me encontrasse a caminhar em algodao durante a viagem inteira. O meu medo maior foi de só ter dois orgaos visuais e auditivos, e um cérebro, nao me sendo possível captar cada segundo de movimentos. A cidade pulsa, vive, cada segundo intensamente.
Mas foi também um ano de regressos.
A minha relacao à distancia, quase platónica, com a Escócia, renovou-se com uma visita inesperada a Glasgow e Edimburgo. Velhos sabores, novos sentidos.
Após oito anos estive no Algarve, local de recordacoes de infancia, um regresso ao passado.
Por vezes, aconchega a ideia de haver muito que, apesar do passar das estacoes, nao muda. A Praia do Alemao está exactamente igual, com os seus rochedos imponentes que escondem o por-do-sol no final de tarde, quente e aconchegante, no qual os acompanhantes sao as gaivotas curiosas e as ondas minusculas que nos relembram o suceder dos minutos.

O passar do tempo, acentuado com uma perda grande de alguém muito querido (sentimentos que ainda nao desejo desenvolver, quanto mais palavras partilhadas, menos apropriado me parece o local, por isso páro por aqui), nunca me foi tao claro. Consciencializei-me da efemeridade, sentimento que por vezes me enlouquece por me impedir de aproveitar os momentos de "nao fazer nenhum". Constantemente alguém me chama a atencao para o facto de eu desenvolver a nocao do tempo com um sentido profundo de utilitarismo, o que aproxima da nocao germanica do útil. O verdadeiro alemao tem que aproveitar o seu tempo de forma prática e concreta. Eu tento rebeliar-me contra esta acusacao de assimilacao. Existe tanto que eu gostaria de concretizar que a existencia das estabelecidas rotinas paradigmáticas me parecem esquizofrénicas e limitativas. Life is not a dress rehearsal, dizem os escoceses.

Se a celebracao de um final de ano parece ser mais um fenómeno de massas, pelo menos há um sentido que eu considero saudável: O de recomeco. Olhar para trás, deixar que as memórias menos negativas sejam varridas pela nossa capacidade selectiva de pensar no bom. Como a onda na Praia da Rocha.