Sonntag, 6. Januar 2008

O ano de 2008 ou a escassez de táxis

Esta passagem de ano foi um pouco tumultuosa. Com alguns convites distintos, a decisao foi de aceitar ir a uma festa privada num bar de pessoas conhecidas, mas nao amigas. O bar é normalmente bem frequentado, por isso a pergunta antecendente à decisao foi "Quem foi convidado?", à qual se seguiu uma resposta "Só mesmo os amigos da dona do bar." Uma festa restrita e, portanto, acolhedora. Pareceu-nos razoável, pelo que decidimos ir, eu com uma vontade louca de dancar e exagerar um pouco no álcool. Atrasámo-nos nos preparativos e só conseguimos sair de casa lá para as dez da noite (momento de realizacao da hora foi seguido por segundos de incredulidade, como era possível restarem apenas duas horas do ano de 2007? Pensando bem, como nao aprecio a "terra de ninguém", despedidas e afins, pensei "Um novo ano representa sempre uma renovacao, como tal cabeca erguida e vamos em frente!"). A essa hora nao se via ninguém na rua, nenhum sinal de metro ou outros veículos a circular. Pensámos que seria melhor entao apanhar um táxi até ao bar. E encontrámos de facto um. Perguntámos a caminho do destino ao taxista, como para quebrar o gelo e gerar um elo de ligacao nos vinte minutos da vida que passámos juntos, como estava a correr o negócio. "Muito parado. Estava já há mais de uma hora à espera de clientes até os senhores chegarem. Hoje ainda nao consegui fazer mais de 50 euros. O pessoal nao tem dinheiro e decide fazer os percursos a pé". Sim, sempre é mais ecológico, comentário que ele nao pareceu ter entendido. Chegados à praca do bar, pagámos, saímos e deixamos o taxista ao seu destino. A praca parecia vazia, desprovida de qualquer sinal de animacao. Ao aproximar-nos do bar, percebemos de imediato quao diferente o conceito de amizade pode ser. O bar, já de si relativamente pequeno com capacidade para talvez 100 pessoas já com boa vontade e ultrapassando o limite do aceitável, estava completamente repleto. Ao encontrarmos o nosso pessoal, foi-nos dito que cerca de 500 amigos tinham sido convidados para a festa de fim-de-ano. AMIGOS? E, aparentemente, uma grande parte tinha aceite o convite. As pessoas nao se podiam mexer dentro do cubículo das quatro paredes. Conversar? Tarefa quase impossível. Ao observar a multidao, apercebi-me que eram precisamente as mesmas pessoas que costumam dedicar os seus sábados à noite ao mesmo espaco. Parecia quase uma noite perfeitamente normal. Os grupos formam-se, as pessoas cumprimentam-se, mas nao se misturam. Como uma grande cidade, vista como um todo, mas com os seus bairros diversos e próprios, cada um com o seu supermercado. Nos éramos um pouco estranhos a tudo, só conhecíamos bem o grupo com quem estávamos, tres australianos e dois franco-alemaes, eu a portuguesa. Com conversas em tons altos, quase barítonos, as horas foram-se aproximando da meia-noite. Nós queríamos ver o fogo-de-artifício nas ruas e deixámos o bar exactamente como quando tínhamos chegado, talvez o buffet estivesse menos preenchido. Passámos o ano na rua, de cabeca erguida, a olhar o espectáculo privado de cada um ,a beber champagne e a comer passas. Na Alemanha é típico comprar-se quilos de foguetes e produtos afins e pura e simplesmente celebrar assim, nas ruas, acendendo cada foguete com a pirisca do seu cigarro. Eu permaneco sempre em baixo de telheiros, sou como o Abraracourcix, com receio de que o céu me caia em cima do toutico. A praca ficou em minutos coberta por um nevoeiro originado na elevada quantidade de pequenos e grandes fogos-de-artifício, nao se podia ver um palmo à frente do nariz. Porém, as cores primárias deixavam vislumbrar uma felicidade quase infantil de novo ano e boas intencoes. Uma hora volvida regressámos ao bar, os australianos, os franco-alemaes e eu. Parecia que nada se tinha passado. As pessoas estavam exactamente na mesma. Nenhum sinal de fitas de carnaval, copos de champagne, gritos, urros, alegria, nada. Uns conversavam, outros observavam, uns poucos jogavam matrecos. Como numa noite perfeitamente normal. E se, de facto, o fosse?
Deambulei um pouco pelo local, ainda dancei nostalgicamente aos sons de Rage Against the Machine, White Stripes, Smashing Pumpkins, ... Às quatro da manha estávamos todos fartos. Seria a idade ou o ambiente? Ou a falta de comida? Ou a ausencia de café? Ou a constipacao que me tinha atacado dois dias antes? Decidimos regressar e saudar o recém-nascido no vale dos lencois. Um frio de rachar, um nevoeiro sem sinais de fogo-de-artifício, purinho mesmo. Queriámos dois táxis. Encontrá-los revelou-se uma tarefa impossível. Nada, absolutamente nada. Nao eramos os únicos na mesma busca. Decidimos tentar o metro. Ah, é verdade, hoje é feriado. O metro só iniciaria as actividades a partir das 8 da matina. Numa cidade de meio milhao de habitantes, sem táxi, sem metro, com grau no sangue e, portanto, sem meios próprios de locomocao, o que fazer? Estávamos bloqueados no enclave do feriado. Impensável! Prosseguimos as buscas e encontrámos pura e simplesmente cada vez mais pessoas a tentarem o mesmo. A fila normal para os táxis nao existia. Um dos australianos perguntou, admirado, se nao era normal haver filas como na Austrália. Aí reparei que, apesar de a Alemanha ser um país supostamente civilizado e haver ordem e regras para todo o tipo de situacoes, a lei da sobrevivencia individual supera todo o grau de civismo. Só faltou haver pancadaria para conseguir abrir a porta de um maldito táxi primeiro que outros. Gritos, correrias, histerias, ofertas de outros pagamentos que nao em dinheiro, ouvi e vi de tudo. Pensei no Ensaio sobre a Cegueira e na sensacao ultimativa de escassez. Até onde estamos dispostos a ir em prol do nosso sucesso como indivíduos? E pensei no taxista das dez da noite. Onde estaria? Ainda pensaria que o seu quadragésimo ano como taxista na noite de Ano Novo seria tao miserável?
Quanto a nós, decidimo-nos pelo único meio que ainda nos restava, apesar do frio, do nevoeiro e dos cinco quilómetros que nos separavam de casa. Regressámos a pé.

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