Decidimos experimentar um dos 22 restaurantes italianos aos quais me referi aqui. A escolha recaiu numa febra panada que supostamente constitui um prato muito típico a encontrar em Milano. Fomos confrontados com um panado que, pela sua dimensao gigantesca, saía do diametro do prato e sujava a mesa com as suas pontas em dois lados. De milanese nao tinha nada, afinal era proveniente de Viena. Ah, Wiener Schnitzel num restaurante de seu nome Leonardo. Pergunto-me se o da Vinci nao se irritaria com tais barbaridades e inexactidoes culturais. A nossa atencao foi deliberadamente (?) distraida pela graciosidade dos empregados e pelo macio Cabernet servido, a ponto de já nao nos deixarmos tirar do sério pelas nódoas dos panados espalhadas pela mesa, apenas a disfarcar pelos guardanapos que tao religiosamente tinhamos mantido bem ao pé. O que parece ser um dado adquirido no jardim do Atlantico é aqui diverso; espera-se que o guest mantenha uma certa conduta e coloque por si o seu guardanapo no prato, após ter terminado a refeicao, e nao aguarde que o faca o empregado. Tudo questoes higiénicas. Refastelados, pagámos e prolongámos o nosso percurso gastronómico. Após uma tentativa frustrada de experimentar um bar supostamente alternativo que, afinal, tinha interpretado o termo de uma forma inesperada (e música rap nunca foi mesmo o meu género), optámos por um outro restaurante italiano. A escolha é, de facto, limitada. Nao desejávamos mangiare, solo bere. A noite decorreu pacificamente, durante a qual se percebeu que afinal o continente asiático está sobrepopulado de turistas que buscam o seu lar nesse canto do planeta e que o mais promissor será mesmo a América do Sul (qual raptos qual que?), até ao momento no qual se teve de discutir pagamentos e trocos. A coisa estava já a correr mal e o vinho, de si azedo tipo vinagre, já estava a balancar no estomago, até se deixar vislumbar o auto-intitulado Don Camillo, dono do estabelecimento, que, para apaziguar os animos, ofereceu uma Grappa à malta por conta da casa. Eu pensei que pior do que o Chianti que eu tinha sorvido nas horas anteriores nao podia ser. Don Camillo apercebeu-se dos meus conhecimentos (de si ainda muito imberbes) da língua italiana e indagou a minha origem. "Ah, Portogallo, che bello!" Os amigos tinham lá estado e recomendado vivamente. Bela gente, sim senhor. "Ma niente come la mia bella Italia!!" Sim, a sua Itália, deixada há 30 anos e trocada por uma cidade da regiao do Ruhr, sem mar ou producao vinícola. "O país que detem cerca de 70% do património cultural mundial". Alto lá, essa é difícil de engolir, principalmente por parte de um frances, que se encontrava a observar a conversa. Um tal menosprezo de Monet ou Molière nao pode ser tolerado! Gerou-se uma discussao vívida sobre quem se apoderou de que e como. "Cuisine francaise? Qual que, um roubo aceite da cucina italiana!". Inadmissível, vociferava o frances. Entao e os escargots, a baguette, o canard? "Tudo fruto de uma exportacao florentina importantíssima do século XVI, a grande Catarina de Medici, que levou consigo a cozinha italiana quando foi viver para Franca com Henri II." Esta conversa surreal entre Don Camillo e o frances decorreu uma bela hora, até ao ponto de se discutir a posse da ilha de Corsica e da nacionalidade de Napoleao Bonaparte. A conclusao ficou em aberto. Eu ainda nao tinha percebido o que é que esparguete tinha a ver com a massa folhada ou mascarpone com o éclair de chocolate, mas fiquei intrigada. Quis saber mais. E assim parece haver diversas teorias que realmente reclamam um papel protagonista a conceder a Catarina que, na tenra idade de 14 anos, se desenvolvera como amante de artes e importante veículo de introducao das tecnicas culinarias italianas, ou melhor, florentinas, como por exemplo a sopa de cebola ou o canard a l'orange, o uso de ervilhas ou artichaux. Importantíssima terá sido a separacao do doce e do salgado, ainda hoje fruto de reaccoes perturbadas de franceses quando nos veem a deliciar-nos com uma bolacha de água e sal, queijo e marmelada.
Don Camillo teria razao?
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